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Franco: a Espanha jamais o esquecerá

DANIELA PAIVA PACHECO

Os números assustam. Durante os três anos de guerra civil na Espanha (1936- 1939) foram 500 mil mortos e 250 mil exilados. Terminado o conflito entre republicanos e militares contrários ao governo, com a vitória do segundo grupo, a onda de violência teve continuidade sob o regime do general Francisco Franco, conhecido também como “generalíssimo”.

O franquismo comandou o país de 1939 até 1975 – data da morte de Franco – e sempre esteve caracterizado pelos altos graus de autoritarismo e catolicismo. Principalmente nos seus primeiros anos, o regime foi duro com seus opositores. Em 1941, o próprio Franco reconheceu que havia 62 mil pessoas em prisões.

E, no final da ditadura, o número de fuzilados era cerca de 70 mil, isso sem contar as execuções extrajudiciais, que podem ter chegado a 150 mil.

Os dados foram divulgados em um documento da Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa, no dia 4 de novembro, mesmo ano em que a Espanha lembra os 30 anos da morte do ditador. Apesar da longa duração, o governo de Franco enfrentou muitas oposições.

“Havia uma velha oposição formada pelos derrotados na guerra civil, sendo que boa parte dela se exilou e outra sobreviveu como pôde. As pessoas que nasceram na década de 40 constituíram a nova oposição, formada por jovens inseridos em atividades clandestinas”, explica o professor de História Contemporânea da Universidade de Santiago de Compostela, Xosé Manoel Núñez Seixas.

Os conflitos também se davam entre os aliados do franquismo, em um disputa pela influência dentro da administração e da estrutura política do regime. “Franco incentivava o enfrentamento entre os grupos e governava acima de todos eles, essa era a sua política”, diz Seixas.

O poder de Franco era tão grande que a sua morte marcou o fim do regime e mostrou que nenhum dos grupos, fosse oposição ou aliado, tinha força suficiente para apresentar sozinho uma alternativa de governo.

O impasse entre os reformistas – franquistas – e os republicanos foi resolvido por meio de um acordo que teve como árbitro a monarquia.

“Os franquistas careciam de legitimidade e os oposicionistas não tinham capacidade de promover o estabelecimento da democracia. “Diante das debilidades, os setores optaram por um acordo. Os republicanos aceitaram uma monarquia constitucional e os franquistas concordaram que essa fosse democrática”, conta Seixas.

Vítimas
Anos depois da volta à democracia, a Espanha ainda não se reconciliou com as inúmeras vítimas do franquismo. Recentes medidas do Parlamento, como o estabelecimento da Comissão Interministerial para o Estudo das Vítimas da Guerra Civil e a proposta de uma lei sobre a “memória histórica republicana e anti-franquista”, tentam resolver a questão.

Mas, para muitos grupos ligados aos direitos humanos e às vítimas do regime, os esforços políticos não são suficientes.

“Assinamos um documento junto a outras associações onde especificamos quais são nossas reivindicações e mostramos a ilegitimidade dos atos franquistas. Nenhuma proposta do Parlamento abarca o reconhecimento jurídico das vítimas. Então, para nós elas não são suficientes”, afirma a presidente da Associação de Familiares e Amigos das Vítimas da II República pelo franquismo, Ana Viéitez.

O diretor da organização de direitos humanos Equipo Nizcor, Gregorio Dionis, não vê a necessidade de se criarem leis espanholas para ressarcir as vítimas. Segundo ele, bastaria que se cumprissem as existentes.

“O que nós pedimos é muito simples: a comunidade internacional, através das Nações Unidas, tem uma série de normas para a impunidade, onde são reconhecidos os direitos da Justiça, da verdade e do ressarcimento. Não há nenhum problema no cumprimento da legislação internacional”, diz.

Dionis analisa que o problema do fascismo foi solucionado em toda a Europa, mas ainda é uma questão pendente na Espanha. Isso, segundo o especialista, se deve ao fato de o processo de transição espanhol ter sido negociado entre os grupos políticos, deixando de lado temas como os direitos humanos e as liberdades civis.

“Há também uma deficiência na formação dos profissionais que lidam com o assunto”, acrescenta.


*Fuente : O Tempo,  Belo Horizonte ,  Brasil, 27 de Novembro de 2005